Imagens: acervo das famílias ibirataenses



Por Marlos Tinoco

A história começou por volta de 1930, quando por aqui chegou o Sr. José Hagge Midlej, um filho de árabes vindo das bandas de Itabuna. Por aqui ele se estabeleceu, construindo sua fazenda e dando a ela o nome de São José, em homenagem ao seu santo de devoção que anos mais tarde se tornaria o padroeiro da cidade. O local era bem desenvolvido, conta-se que na fazenda havia, além de uma imensa casa sede e da vila dos trabalhadores, cinema, escola, capela, jardins. Esse cidadão tornou-se uma espécie de conselheiro e pacificador da comunidade, com seu jeito fraternal de dar soluções aos graves problemas dos amigos e clientes, era consultado em todas as causas, principalmente políticas. Ele sempre encontrava uma solução pacífica para tudo! Junto com sua esposa, Dona Lindaura, o Sr. José Hagge passou a patrocinar em sua propriedade os festejos em homenagem ao santo, com festas de largo, novenas, quermesses, brincadeiras de pau-de-sebo, quebra-pote, corrida de saco e muita comida. Com o passar do tempo ele observou a necessidade de construir um templo, então passou a liderar o movimento para a construção de uma nova igreja. “O terreno onde a igreja estava sendo construída foi doado pelo Sr. Pacheco. As pedras que serviram de alicerce para a construção foram do próprio município, os tijolos foram doados pelo Sr. José Hagge e vieram da sua fazenda no lombo de jumentos, trazidos por seu Aurelino Coelho Lima. A partir de 1945 as celebrações passaram a se realizar na Igreja Matriz, ainda em obras.”. Contudo, com o avançar dos trabalhos percebeu-se a necessidade de mais alguns metros de terra para a construção da sacristia, o que prontamente foi resolvido pelo Sr. Manoel Dias Lima, que doou de bom coração uma parte do seu quintal para que a obra fosse concluída de forma satisfatória.

A imagem de São José foi encomendada pelo Sr. José Hagge diretamente de escultores de obras sacras em Portugal. A aquisição da imagem portuguesa foi fruto de uma promessa cumprida antecipadamente por ele e por sua esposa, Dona Lindaura. O povoado de Tesouras estava atravessando uma seca severa, com o cacau morrendo ainda na flor, com os prados e campinas com poucos sinais de vida e os animais sofrendo com a falta de água. Então o casal decidiu fazer uma promessa para São José, que se chovesse na região eles iriam procurar a imagem mais bela do santo para que toda a vila conhecesse o cuidado e amor do Pai adotivo de Jesus. Contudo, a fé deles era tão grande que decidiram cumprir a promessa antes mesmo que qualquer nuvem se formasse no céu. Se tratava de uma imagem com pouco mais de 1 metro de altura, de talha inteira, esculpida no cedro rosa, madeira de odor agradável, ideal para o trabalho de talha e escultura, além de ser muito resistente. A imagem era escavada na parte de trás para evitar rachaduras, também para ficar mais leve para ser manuseada durante sua confecção e transportada nos andores durante procissões. Conta-se que a encomenda teve mais algumas exigências feitas por José Hagge, grande amante das artes, dentre elas que a imagem fosse pintada com a técnica de carnação, na qual a base de preparação da peça era feita com camadas de gesso e cola. A cola, de origem animal, era extraída de peles e cartilagens. A função do aparelhamento era isolar a madeira da pintura, corrigir os defeitos da madeira e tornar a superfície extremamente lisa para não interferir na tonalidade das cores, que depois recebia a pintura à óleo ou têmpera, com policromia esmerada em tons escuros. Além disso, a imagem possuía olhos de vidro, que tinha o objetivo de aproximar as representações do realismo do olho humano.

A ‘viagem’ de São José durou muitos dias, a imagem percorreu cerca de 4.649 milhas de Portugal até o Brasil. Ao chegar de navio no Porto de Salvador, foi levada para o distrito de São Roque do Paraguaçu, em Maragogipe, onde seguiu viagem até Jequié na Estrada de Ferro de Nazaré, fundada em 1869 e administrada pela Tram Road de Nazareth, empresa organizada por Alexandre Bittencourt e João Luiz Pires Lopes. O trem servia para transportar passageiros e escoar a produção agrícola de diversas cidades para os principais centros regionais da época como Nazaré, Santo Antônio de Jesus e extrarregionais como Salvador e Jequié, contribuindo com o aumento da população, oferta de empregos e um maior vínculo comercial entre os municípios, integrando-os ao sistema de transporte e comércio direcionado para exportação, com base em produtos como cacau, café, fumo e cana-de-açúcar. Já no mercado interno, carne bovina, mandioca e produtos de subsistência.

A obra de arte chegou embrulhada no papel de seda parafinado, de finíssima gramatura, dentro de uma grande caixa de madeira maciça com o alerta de “frágil” e “cuidado” em todos os lados. A caixa foi aberta de forma cerimoniosa e solene no salão principal da casa dos Hagge Midlej, diante dos olhos de todos os colaboradores da fazenda e de seus familiares em total silêncio e devoção. No mesmo momento, Dona Lindaura dobrou os joelhos no chão e clamou em alta voz: “A vós, São José, recorremos em nossa tribulação e, depois de ter implorado o auxílio de Vossa Santíssima Esposa, cheios de confiança solicitamos o vosso patrocínio.”. Conta-se que no fim da prece de dona Lindaura todos disseram “amém” em uma só voz, e no mesmo momento o milagre começou a cair do céu de gota em gota, em forma de chuva, fazendo subir o cheiro de terra molhada naquele pedaço do mundo, regando a alma daquela gente de muita esperança e trazendo vida para todos os campos e serras que os olhos alcançavam.

Foi nesse contexto que a primeira imagem do santo padroeiro de Ibirataia chegou até o seu destino, iniciando na comunidade local uma tradição de fé e devoção que atravessa décadas, começando no pequeno povoado de Tesouras, que depois foi elevado à categoria de vila e rebatizado de Vila de Ibirataia, até a sua emancipação e transformação em cidade, nos alcançando até os dias de hoje. Tradição de fé e devoção que sempre teve também o seu alicerce encravado na identidade da nossa gente, que mistura o passado com o presente, que resgata a memória do trabalho de muita gente que neste chão pisou, como o Sr. José Hagge e dona Lindaura, as irmãs freiras Assunta e Núncia, Dona Iraildes e Dona Ismênia (ambas da Freguesia de São José), Dom Valfredo Tepe (Bispo que tornou Ibirataia uma Paróquia em 1978), Padre Edmilson Vivas Batista (o primeiro Pároco da cidade), Dona Alíria Andrade (Anjo descendente da Família Hagge Midlej), Dona Joanita Lima e Marina Massaranduba, Valdecy Fernandes e Valdete Quinto, e muitos outros ainda vivos ou que foram embora na força dos bons ventos, mas não sem antes lançarem nesta terra as sementes de tudo aquilo que chamamos de presente, de história, de memória, de fé e identidade.

(Texto em homenagem aos Irmãos católicos da Paróquia de São José de Ibirataia / Imagens: acervo das famílias ibirataenses).